quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Sob os desaparecidos do Ayotzinapa, pra os leitores lusofalantes




Sob os desaparecidos do Ayotzinapa, pra os lectores lusofalantes.

(Ana Julia Mizher, 07/09/2014)




Amigos, peço que deem só um tempinho de trégua na discussão eleitoral do Brasil pra saber um pouco do que andou passando aqui no hemisfério Norte nos últimos dias. É notícia dita e redita o problema do narcotráfico aqui no México. Jornais sérios e sensacionalistas noticiam guerras entre facções, represálias, e atrocidades em geral cometidas pelos ditos sicários, nome dado aos membros dessas facções cujo trabalho é pura e simplesmente assassinar quem lhes convém. O que falta dizer em cada uma das reportagens que vende o horror cotidiano que muitos lugares desse país vive é a relação intrínseca de toda essa brutalidade, aparentemente anárquica, com o sistema político corrupto e baseado na força e no abuso de poder que permeia cada canto daqui. No dia 26 de setembro, um grupo de alunos da escola rural de Ayotzinapa do estado de Guerrero (estado da legendária Acapulco) foi em excursão à cidade vizinha de Iguala angariar fundos para vir pra Cidade do México justamente para participar de uma manifestação. Não por coincidência, a manifestação anual da qual eles queriam participar ocorre em memória de um protesto reprimido violentamente em 1968 que resultou em mortos, feridos, desaparecidos e estupros realizados por militares em conjunto com um grupo paramilitar. Os estudantes de Guerrero foram recebidos a bala pela polícia municipal em Iguala em uma série de ações que resultou inicialmente em 6 mortos e até o momento carece de maiores explicações. Uma das vítimas, um garoto da escola de Ayotzinapa, foi levada por um carro da polícia e encontrada horas depois sem olhos e sem o rosto. Os estudantes se dispersaram e a maioria deles segue desaparecida. Dos 57 registrados apenas 14 foram encontrados com vida. Há 2 dias atrás foram encontradas valas com corpos humanos queimados e a perícia (supostamente) está sendo feita para identificá-los. 22 policiais foram presos, além de alguns (não consegui precisar quantos) integrantes da facção "Guerreros Unidos". Segundo a declaração do procurador de Guerrero, dois dos presos confessaram ter matado 17 estudantes. Além disso, segundo o procurador, eles disseram que a ordem de levar os garotos foi dada pelo secretário de segurança pública (sempre eles...) e a ordem de matá-los por um integrante dos tais Guerreros. O secretário de segurança pública, assim como o prefeito da cidade, estão foragidos. O presidente deu apenas uma declaração digna de jogador de futebol. A razão de todo esse horror não é clara, nem é claro em que se pode confiar da versão oficial, o que fica claro é que a violência aqui não é fruto da ausência do estado nas regiões mais afetadas e sim da relação orgânica do estado, das forças militares e dos narcotraficantes. E o único que se tem certeza que vai resultar disso é a renovação do sentimento de impotência e do ressentimento de 1968.




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